"THE DAY AFTER
Acho que depois de um dia como o de ontem, é conveniente fazer um relato do que se passou, na primeira pessoa.
Aliás, mais do que um relato do que foi o meu dia, vou tentar exprimir o que senti e o que vi.
Eu vivo mesmo em frente à estacão de Aldgate. Tão em frente, tão em frente, que, estava eu a sair de casa de manhã quando sinto o meu prédio a abanar de uma forma anormal. Não posso dizer que tenha sentido um abanão estrondoso ou um barulho ensurdecedor, mas foi completamente anormal e violento.
Não me apercebi do que se estava a passar até chegar ao trabalho. Só aí, começo a ver as pessoas a chegar atrasadas e a dizer que as estações de metro nas redondezas estavam fechadas. As associações começam a ser feitas... recebo um telefonema da minha mãe bastante preocupada a dizer que tinha havido atentados em Londres... A partir daqui foi uma maratona de emails.
Tentar localizar as pessoas, avisar namorada e amigos do que se estava a passar e que eu estava bem. Até que, finalmente, no site da BBC aparece a confirmação da notícia e vejo uma imagem da estação de King's Cross como uma das mais afectadas. Ora eu tenho um amigo a viver nessa zona e que apanha o metro todos os dias a essa hora para ir trabalhar... Foi neste momento que eu senti definitivamente o atentado. Nao me apercebi da dimensão nesta altura, mas senti muita apreensão. Comecei a sentir total impotência...
Estava mais ou menos confiante de que a probabilidade de quase todas as pessoas que conheço aqui estarem numa das estações afectadas era miníma. Com excepção do Matos (o de King's Cross). Impossivél contactá-lo. Nao havia telefones móveis, ele não respondia a emails e durante 45 minutos nada de notícias dele.
Entretanto, íamos recebendo notícias de que os elementos do programa Contacto estavam todos bem. Finalmente, consigo contactar o Matos - tinha ido para a noite no dia anterior pelo que se levantou mais tarde para ir trabalhar... Ainda dizem que o álcool faz mal... A partir daqui foi seguir as notícias... E trocar mais alguns mails a dar conta da situação.
É de realçar a forma como todos nos nos organizamos para localizar as pessoas. O
Carlitos em Chichister, a Ana Oliveira (ICEP, para quem não sabe), em Portugal, com uma disponibilidade tremenda , C8's (oitava edição do programa NetworkContacto - a decorrer) e C7's (sétima edição do mesmo programa) em perfeita consonância. Criou-se muito rápidamente uma estrutura em que todos estavam a lutar pelo mesmo. Todas as empresas Portuguesas fossem assim e não havia falta de produtividade...
Saí do banco em direcção a casa, e claro: barrado pela polícia. Comecei a tentar arranjar soluções e encontrar sítios onde dormir caso durante a noite não conseguisse entrar. Por volta das dez da noite lá convencemos um polícia a deixar passar e entrei em casa finalmente...
Entrei em casa, relaxei. Só nessa altura me apercebi da dimensão do que se tinha passado... Começámos a olhar para trás e a colocar os "ses": Se tivesse acordado mais cedo, se tivesse a chover... Senti que não teria sido necessária a conjugação de muitos factores para eu estar no Metro áquela hora... Não foi fácil!!! Demorou a adormecer...
Sabem que quando cheguei a Londres em Janeiro, uma das coisas que mais me impressionou, foi a agressividade da cidade. Muito movimento, sirenes por todo lado, pessoas que não se conhecem a cruzarem-se com a maior indiferença, avisos em todas as esquinas, metros lotados com constantes avisos para não abandonar malas sobre qualquer pretexto... Foi um choque! Principalmente para quem vem de Sanguedo... Acabamos por nos habituar ao ritmo e sentimos facilidade em criar o nosso espaço numa cidade cuja cultura é ser acultural... Mas de facto, uma das primeiras sensações foi mesmo esta: agressividade!
No dia de ontem nada disso aconteceu. As pessoas olhavam-se nos olhos. A indiferença que é permanente nesta cidade, e penso que em todas as grandes cidades, não existia. Toda a gente tinha um sentimento comum. Estava uma cidade completamente transformada. Notava-se que mesmo sendo os Ingleses um povo duro e habituado ao terrorismo sabia que este não era igual. Tinha chegado o dia em que Londres depois do 11 de Setembro tinha sido um alvo...Toda a gente sabia que isto um dia tinha que acontecer. Esse dia foi ontem...
Beijos e Abraços a todos de Londres,
João Lei"
-MB-