terça-feira, maio 31, 2005

PORQUE NÃO...

Andava baralhado, num estado desconcertante de hesitação, sem saber o que fazer num referendo onde me pedem para escolher entre o mau e o mau, sendo que obviamente existem diferenças entre estes “maus”.

Os Franceses (pasmem-se!) foram capazes de me ajudar… Os decadentes franceses que já não despertavam o interesse do mundo há muito, muito tempo, aclararam a minha inadaptada mente.

Mas vamos começar pelo princípio:

A 25 de Fevereiro de 2005, o Congresso Francês, que agrupa todos os deputados e senadores, pronunciou-se a favor do Tratado Constitucional Europeu de forma avassaladora (730 votos a favor e 66 contra).

Mas podemos ir ainda mais ao princípio:

A Europa tem os (maus) costumes Franceses. Sempre teve! O centralismo “controleiro” e intervencionista, o “eurocrata” (primo direito do burocrata gaulês), o (falido) “modelo social”, um inexplicável receio do mercado e da liberdade, o sorvedouro de dinheiro que é a PAC e principalmente o ódio a tudo o que é Americano. Há até quem diga que a França é um dos ventrículos do (suposto) coração da Europa. O “não” gaulês mostrou, por isso, que o (suposto) coração estava doente e sofreu um terrível “enfarte nas urnas”.

Vamos “às partes”:

1. O debate para este referendo europeu foi claramente franco-francês. Típico! Chauvinistas! Tontos! Patetas! “Pouco texto e muito contexto”, como dizia ontem o editorial de um jornal espanhol. Este era o campo mais abonado para o “não”. E o “não” aproveitou. O crescente número de desempregados e o descontentamento social, a desconfiança em relação aos políticos nacionais e a comprovada incapacidade do Governo para implementar as reformas necessárias tornaram-se temas centrais neste referendo. Chirac está enfraquecido, Sarkozy quer enfraquecê-lo ainda mais, os socialistas estão divididos e o populismo vivo e de boa saúde. O “não” encontrou um referencial no antigo primeiro-ministro Laurent Fabius, que deu credibilidade a uma estranha amálgama de personagens que se mostravam incapazes de ir tomar um café juntos. Quando o debate Europeu exigia muita pedagogia, mais explicações e toneladas de humildade, o “sim” ofereceu exactamente o contrário.

2. Entre o espectro turco (Muçulmanos… Lembram-se das manifestações “inclusivas” aquando da guerra do Iraque?) e os “canalizadores polacos”, substitutos, no imaginário gaulês, dos “trolhas portugueses”, os franceses incendiaram a discussão com discursos fortemente xenófobos, convidando os estrangeiros a ficar em suas casas, nos seus países. Le Pen é a marca da casa… Mas não foi o único: os líderes da esquerda fizeram campanha sobre a xenofobia, tal como em 2002 Chirac fez sobre a insegurança. Foi o ressurgimento do egoísmo nacionalista. Portugal padeceu destes mesmos argumentos, quando, há vinte e tal anos atrás, negociava a sua entrada na CEE. O alargamento está claramente comprometido.

3. Na noite de domingo, as palavras de ordem que se ouviam na rua, durante as comemorações da vitória do “não”, eram contra os EUA. A França parece perdida, sem saber o que está a discutir, presa a um malevolência quase patológica em relação aos EUA.

4. A agitação do fantasma liberal arregimentou muitos partidários do “não”. Prova da patetice dos Galos. Já escrevi aqui que é obvio que o velho continente também tem que prestar contas, também tem que apresentar resultados, também tem que produzir e ser competitivo. Mas também é prova de idiotice. O texto do tratado constitucional nada acrescenta de liberal aos textos precedentes. (É, se calhar, o seu maior defeito!) Evoca até “uma economia social de mercado altamente competitiva que tende ao pleno emprego e ao progresso social”.

5. A directiva de liberalização dos serviços, a famosa directiva Bolkenstein (a que o “não” carinhosamente chamou directiva Frankenstein), foi mais um dos exemplos apresentados para ilustrar o défice social da EU. Chirac deixou-se afundar nesta falácia e apresou-se a pedir a sua retirada.

6. O chamado plano B fez estragos no “sim”. Permitiu que muitos Franceses usassem o referendo como forma interna de protesto, deixando para outras núpcias a questão europeia.

7. A França olha para o alargamento e vê as contas para pagar dos novos países. É aliás o exemplo máximo da morte da Europa social que os Franceses tanto exigem. Esquecem-se sempre de dizer que o que realmente querem é uma Europa com o “social” em cima da França.

8. As deslocalizações. Disse-se que eram favorecidas por este tratado… Continuo sem perceber onde.

Voltou-se a falar da França. A maior representante, na sua triste ignorância, da “Velha Europa”.

Hoje, a Europa, por si só, não mobiliza ninguém. Já não funcionam os antigos argumentos da garantia de paz e, principalmente em época de crise grave, da prosperidade e do bem-estar.

Os Franceses conseguiram provavelmente matar a “sua” Europa. Isso deixa-me feliz… Mas mantêm a sua estranha atracção pelo abismo. E desta vez arrastaram a Europa para o “seu” abismo de incerteza.

Nota populista: Se os Franceses votaram “não”, estou cada vez mais inclinado para votar “sim”.

-ZPA-