segunda-feira, junho 06, 2005

FUI A TUI COMPRAR CARAMELOS

O prometido é devido! Aqui vai un post sobre caramelos, chocolates, chicles, otras golosinas y competitividad fiscál.

Não é novidade para ninguém que as zonas fronteiriças são propícias ao estabelecimento de trocas comerciais, mutuamente benéficas, entre os habitantes de cada uma das respectivas jurisdições. Não é também novidade que estas trocas são tão mais apetecíveis quanto maior a possibilidade de arbitragem,e consequente maior vantagem económica, que daí retirem os agentes económicos.
Mesmo quando as barreiras de acesso a esse tipo de trocas são grandes, a vantagem que o agente retira da possibilidade de arbitrar preço entre dois mercados, ou a necessidade de aceder a bens cuja oferta no seu mercado de origem não é satisfatória, motiva a que ainda assim os agentes se envolvam nessas trocas.
Lembro os tempos difíceis vividos na região transmontana, superiormente convertidos em obra literária por Miguel Torga em "Novos Contos da Montanha". No conto "Fronteira", conhecemos os personagens "Isabel" e "Robalo", dois jovens que convivem amorosamente em Fronteira e que se dedicam a actividades naturalmente incompatíveis: enquanto ela, cumprindo as exigências e o destino de uma terra «Pequenina (…) escondida do mundo nas dobras angustiadas e ossudas de uma capucha de granito» e à semelhança do que acontecia com os seus conterrâneos, se ocupa e vive do contrabando, ele chega do Minho para exercer inabalavelmente a sua profissão de guarda - Robalo o "guarda que guardava". No enredo deste amor de dificil compatibilidade, são-nos relatadas as vicissitudes e riscos corridos por quem na fronteira com Espanha, fazia do contrabando garantia do difícil sustento familiar.
Nasci em Democracia, aliás como toda a geração dos membros aqui da família. E, sem "barreiras à entrada" como a de viver numa terra «Pequenina (…) escondida do mundo nas dobras angustiadas e ossudas de uma capucha de granito» (viver no litoral tem, entre outras, a vantagem de termos sido sempre servidos por uma melhor rede viária), lembro-me como, algures nos anos 80, se ia a Tui (localidade Espanhola que a norte faz fronteira com Valença do Minho) comprar caramelos. Quem diz comprar caramelos, diz aceder a todo um conjunto de bens cuja oferta, a existir, não abundava ou os preços a que era disponobilizada justificavam que se exercesse a arbitragem numa viagem até à Galiza.
Estávamos, como disse, nos anos 80. Não havia autoestrada a ligar o Porto a Vigo em cerca de 45 minutos, como acontece hoje. Eram viagens de dia inteiro, para justificar a empresa. Sair do Porto pela Estrada Nacional e ir trepando o Minho em curva e contracurva. Parecia nunca mais acabar. Lembro-me que passavamos Ofir, e logo a seguir à Praia da Mariana procurávamos sinais de que estavamos a chegar, tentando vislumbrar o Monte de Santa Tecla. Aquele que, ao longe parecia um simples morro, apresentava-se agora envolto por um espesso manto de nieblas, adquirindo uma presença carregada e inquisidora, no olhar que nos lançava quando passavamos Caminha. Vila Nova de Cerveira estava ainda distante, Valença e o posto fronteiriço não eram mais do que uma miragem, e o destino, esse, far-se-ia aguardar por mais uma boas 2 horas de viagem. Mas todas as guloseimas que nos esperavam em Tui, e sobretudo, os juguetes que nos esperavam no El Corte Inglés, valiam a bom valer este "custo de transporte". Não tinhamos a possibilidade de encontrar a maioria destes bens em Portugal, e como o escudo ainda valia umas boas pesetas, os nossos pais permitiam-se mimar-nos com brinquedos de fazer estalar de inveja o colégio inteiro. Pelo caminho aproveitavam para "atestar" o depósito com combustível Galego, bem mais barato que o do lado de cá do rio Minho.
Seja pelo instinto de sobrevivência da Isabel de Fronteira, ou pelos instintos de consumo das gerações mais abastadas do Norte Litoral, a arbitragem de preço entre 2 mercados e a tolerância até determinado nível de custo de transporte, justificam a manutenção e insificação de trocas comerciais entre os dois lados da fronteira.
É este tipo de comportamento dos agentes económicos que os professores de economia do MBA que o Engº Sócrates frequentou, se esqueceram de lhe ensinar. Não lhe terão explicado também, que a receita procedente da aplicação de uma taxa de imposto está sujeita à lei dos rendimentos decrescentes. Ou seja, a partir de determinado patamar da taxa de imposto, os agentes arbitram entre o mercado oficial e o mercado paralelo, ou outros aos quais tenham acesso numa estrutura de custos eficiente. Pelo que, o aumento da taxa para além desse patamar, terá um efeito contrário ao esperado, isto é, a evolução da receita fiscal tenderá a estagnar ou mesmo a retroceder, seja como resultado de uma maior actividade económica em mercados paralelos ou por arbitragem de taxa de imposto entre diferentes domicilios fiscais.
Estamos em 2005, longe vão os tempos dos "Novos Contos da Montanha" ou das idas a Tui em busca de juguetes e golosinas. Em 2005, estamos a cerca de 45 minutos de Vigo, não existe fronteira, e a peseta que entretanto se apreciou em relação ao escudo também já não existe. Em 2005, a taxa de IVA em Espanha é de 16% e em Portugal o Governo PS, ao arrepio de qualquer compromisso eleitoral, fixou a taxa do IVA nos 21%. Em 2005, contra tudo o que seria expectável após os esforços de integração económica na UE, volta a existir uma oportunidade considerável de arbitragem nas decisões de consumo de uma das regiões mais populosas de Portugal.
O governo socialista disfarçou manhosamente não estar à espera do valor anúnciado como previsão para o défice orçamental em 2005, num golpe de teatro, simula ter sido apanhado de surpresa com o desfecho do relatório Constâncio. Assim sendo, vai de aumentar impostos a torto e a direito, sem apresentar uma medida concreta no que toca à contenção da despesa.
À primeira contrariedade, José Sócrates mete o programa eleitoral na gaveta e resvala para a tomada de medidas fiscalmente cegas e pouco inteligentes. Nem para isso o MBA lhe serviu! Sócrates, e a esquerda em geral, parecem ainda não acreditar no dinâmismo dos agentes económicos. Não acreditam que às medidas agora impostas, não se aplica o académico conceito de "ceteris paribus" - "e tudo o resto constante".
Quando o governo ultrapassa, como eu acredito que terá ultrapassado, o limite máximo de carga fiscal que garanta uma receita fiscal crescente e toma os agentes económicos como agentes estáticos, entra num regime de rendimentos crescentes a uma taxa decrescente, podendo mesmo "passar ao outro lado da derivada" e ver a receita fiscal a diminuir. O capital, entendido enquanto investimento, é o primeiro a fugir arbitrando taxas de imposto entre diferentes economias, segue-se o consumo sempre que a arbitragem de preço for uma possibilidade, e finalmente assiste-se à partida daquele que será porventura o nosso maior activo - a massa critica e de maior produtividade - seguem-se os Franciscos e outros factores de menor mobilidade, fica uma administração pública pesada, inieficiente e em histeria pela possibilidade de reformas contrárias ao interesse do funcionário público.
As medidas apresentadas pelo governo têm uma sentença antecipada: fuga do investimento, retracção do consumo ou arbitragem para outras economias (essas sim vêm a receita fiscal aumentar), menor confiança dos agentes, maior desemprego.
Um exemplo muito objectivo: O IKEA, pretende (pretendia?!?!?) instalar uma unidade em Matosinhos, com o objectivo de servir todo o noroeste peninsular. A alteração do panorama fiscal terá uma consequência directa, e julgo que pesada, sobre o periodo necessário à recuperação do investimento efectuado. Bem sei que o Sr. IKEA, não tem a empresa cotada em bolsa, e que não saberá ao certo quanto vale o seu império, mas não acredito que tenha chegado onde chegou por ser burro. A loja estava prevista para uns terrenos junto ao IC1, e por este esperava ver chegar centenas de consumidores Galegos dispostos a contribuir para a receita fiscal do Estado Português.
Não sei pormenores sobre a evolução do projecto quando o governo, sem nota prévia, alterou as regras do jogo. Espero que estivesse para lá do ponto sem retorno, caso contrário, lá se vão umas centenas largas de postos de trabalho para a Galiza e uns bons milhares de euros de impostos para os cofres espanhois.
O erro de Sócrates, é não ter ainda aprendido que as nossas gentes, sobretudo as gentes do norte (que conheço melhor) não são, apesar de tudo, muito diferentes da Isabel e do Robalo. São gentes duras, valentes, que aceitam a vida como ela é e que actuam em consequência. Por isso mesmo não faltára muito para que se volte a ouvir o diálogo:
Pergunta: "Então o que fizeste no fim de semana?!"
Resposta: "Fui a Tui comprar caramelos!"
Infelizmente.
-MB-