segunda-feira, maio 16, 2005

COELHINHOS, MENINOS E OUTRAS COISINHAS


Vamos lá ver se nos entendemos: o acórdão que julga inconstitucional a redacção do art. 175º do CP apenas se aplica ao caso concreto em que foi proferido e tem de ser lido à luz da interpretação que o tribunal criminal fez do preceito. Tratava-se pois de saber se, estando em causa relações homossexuais consentidas com menor (no sentido em que não foi necessário o uso de violência para as ter, caso em que estaríamos perante um crime de violação, em que a violência contra a orientação sexual da vítima há-de pesar na graduação da pena), o tipo legal de crime se preenche apenas com a consumação do acto sexual ou se, como sucede no caso do art. 174º do CP, é necessário que o agente se aproveite de uma "inexperiência da vitima".
Dito de outro modo, a questão põe-se porque, na letra da lei, para que seja crime a prática de actos homossexuais com menores, basta que o acto sexual tenha lugar, independentemente da maturidade, da experiência ou da orientação sexual do menor. Já o crime de actos heterossexuais com menores depende, por um lado, de um estado de inexperiência da vítima - o que carece de prova -, e por outro, de um abuso, por parte do agente, desse estado.
Nestes crimes - contra a autodeterminação sexual - parte-se do princípio de que é juridicamente irrelevante a vontade do menor na prática do acto sexual (isto é, o legislador entende que quem tem menos de 16 anos não está em condições de formular uma vontade sexual consciente), pelo que o adulto tem a obrigação de não se aproveitar dessa vontade. Simplesmente, se forem todos straight, o legislador admite que o menor seja um sabichão e que conheça muto bem o metier, altura em que o agente não é punido. Se não forem, não admite, caso em que há crime.
Note-se que o juizo preconceituoso e reaccionário do CP não se traduz, como sugerem alguns, ao nível das penas: elas são as mesmissimas num caso e noutro. O juizo é mais subtil, tornando afinal relevante a juridicamente irrelevante vontade do menor, desde que ela seja a de preservar a espécie, não seja contra-natura, pervertida ou outras baboseiras.
Ora, é justamente aqui que reside a desigualdade. Um Estado de Direito Democrático não pode partir do princípio de que há sempre inexperiência do menor se ele consente numa relação homossexual quando dá outro relevo à sua vontade se a relação for heterossexual. Aceitar isso seria o mesmo que aceitar que não há um direito à opção pela homossexualidade ou que essa opção - por ser anormal, desviante, amoral ou mesmo por ser uma não-opção - tem uma idade e um prazo diferentes da outra opção - a normal, correcta, desejável, enfim, a opção.
Cuidado com os que se insurgiram contra o acórdão: o mesmo princípio que os leva a aceitar que o Estado oriente as nossas vidas sexuais já matou milhões de judeus, ciganos, combatentes anti-comunistas, fascistas e outros anormais.

Get it now?

-FCP-

3 Comments:

Blogger JMTeles da Silva said...

"contra-natura, pervertida ou outras baboseiras"
Não leve a mal que lhe pergunte: a senhora é homosexual?

Sabe o que é baboseira, sabe?
É este parágrafo delicioso:
"Cuidado com os que se insurgiram contra o acórdão: o mesmo princípio que os leva a aceitar que o Estado oriente as nossas vidas sexuais já matou milhões de judeus, ciganos, combatentes anti-comunistas, fascistas e outros anormais."

3:32 da tarde  
Blogger E depois do adeus... said...

Meu caro amigo,
Por acaso até nem sou.Optei por preservar a espécie, o que tenho feito de forma menos abundante do que gostaria. Escolhi a minha forma de ser feliz. É apenas a minha, e não a quero impor a ninguém. É por isso que também não aceito que o estado me imponha, a mim ou aos outros, nenhum modelo de comportamento. Desde que não ofenda, de forma intoleravel, os direitos dos outros, cada um tem d eter a liberdade de se comportar como quiser. Se quer sexo em grupo, óptimo, desde que todos os participantes estejam de acordo. Se quer pessoas do mesmo sexo, perfeito, desde que essa seja a vontade dos outros. Se quer celibato, excelente. Se se quer embebedar até cair, dentro de casa, sem chatear ninguém, que aguente a ressaca. Se quer ganzar-se, que se ganze. Se quer cortar os pulsdos, fazer boxe até ao KO, salatr de pára-quedas, fazer mergulho, por mim tudo bem. Desde que não perturbe a minha tranquila existência, espero que seja muito feliz.
Está errado? É imoral? É pecado? Pode ser. Só que não é o Estado quem tem de o dizer. São as nossas consciências, a ética, a Igreja. O Estado apenas tem d eprovidenciar para que possamos conviver pacificamente.
Mas deixe lá, meu caro amigo. Não temos de concordar sempre.
FCP

3:53 da tarde  
Blogger JMTeles da Silva said...

Obrigado pelas palmadinhas na cabeça.Senti-me pequenino outra vez!
O que eu não aceito é a amoralidade do Estado. Definitivamente.
Eu sou daqueles fósseis que acha que a moral é só uma. E não tem a ver com religião, note. É isso que nos distingue dos animais. E, apesar de tudo, aceito que o Estado proteja dois indivíduos do mesmo sexo que queiram fazer a sua vida juntos. Que podem também ser amigos, familiares próximos ou afastados, etc. Rejeito em absoluto é que mimem e conotem esse contrato de convivência exclusiva com um casamento.

11:24 da manhã  

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